Em “O Escândalo do Petróleo” (1936) Monteiro Lobato denuncia o jogo de interesses motivados pela extração do petróleo. Com isso, critica o envolvimento internacional das autoridades brasileiras.
Lobato revela os bastidores da campanha prol da exploração do petróleo em terras brasileiras. Animado com a experiência vitoriosa dos Estados Unidos, o escritor consultou especialistas, reuniu capital junto a pequenos investidores e fundou empresas de prospecção. Dedicou dez anos à tarefa de descobrir nosso óleo combustível, mas acabou derrotado pelos interesses de grupos estrangeiros apoiados pelo governo Vargas.
A verdadeira epopeia é resgatada nesse livro que tirou algumas edições de circulação entre 1936 e 1937, até sua proibição pela ditadura do Estado Novo e volta posterior com a abertura do regime.
Fechado o volume, Lobato tenta mostrar que a doutrina de Henry George baseada no “Imposto Único” sobre a terra improdutiva resolveria de uma só penada, os graves problemas do país. E tudo isso, diz ele, com vantagem de não alterar a ordem social, que permaneceria intacta, longe de uma revolução dos modos soviéticos, perspectivas assustadoras naqueles tempos de início da Guerra Fria.
Neste livro Lobato denunciou que o país estava escondendo seu próprio petróleo para atender ordens dos trustes americanos (Empresa Standard Oil), Lobato denuncia a omissão do Departamento Nacional de Produção Mineral acusando-o também de fraudar pesquisas que comprovavam que na terra tupiniquim havia petróleo em abundancia e também de haver empresas petrolíferas americanas por traz dos fraudes, critica de forma dura os "geólogos" Malamphy e Opphenheim de atender as demandas da Standard Oil e boicotar perfurações brasileiras no próprio território, aponta também que as leis, mesmo antes do Estado Novo 1937, já eram a favores da perpetuação do Brasil na compra de petróleo americano, sendo assim, não produzindo o seu próprio bem.
Preso no governo Vargas, Monteiro Lobato, nacionalista ferrenho, funda um dos maiores movimentos da história deste país "O petróleo é nosso" influenciando seu próprio algoz Getúlio Vargas que anos mais tarde fundou a Petrobrás, o Brasil entrava para história ao ser o segundo país do mundo independente da produção de Petróleo dos Estados Unidos, depois da União Soviética.
"Não perfurar e não deixar que se perfure”. Esta era a situação que Monteiro Lobato, o grande ativista de sua época sobre a exploração do petróleo, diagnosticou no Brasil. Ele simplesmente não admitia que num país de enormes dimensões, e num continente no qual as descobertas se multiplicavam, não houvesse um esforço para explorar a fonte de energia que substituía rapidamente o carvão naquela primeira metade de século 20.
O livro O escândalo do petróleo deu origem às principais bandeiras do movimento da sociedade civil que viria anos depois contribuir para a criação da Petrobras. E é este texto, acrescido de Georgismo e comunismo, que a Editora Globo resgata, neste momento em que o Brasil – passadas sete décadas – se prepara para se tornar uma das maiores potências petrolíferas do planeta.
O Escândalo do petróleo foi lançado originalmente em 1936, durante o primeiro mandato de Getúlio Vargas. Ele relata a aventura vivida pelo próprio escritor, que reuniu capital de pequenos investidores e tentou por dez anos encontrar petróleo no subsolo brasileiro. Por conta de sucessivos empecilhos do governo da época, as tentativas de prospecção acabaram frustradas. Mas, a repressão não se resumiu ao Lobato empresário e ativista; também o escritor acabou tendo seu texto proibido pela ditadura do Estado Novo em 1937, após o sucesso editorial do lançamento com algumas tiragens sendo vendidas rapidamente. Essa situação só iria se modificar com Vargas deixando o poder em 1945.
Já o texto Georgismo e comunismo, que compõe a edição da Globo, é de 1948. Nele o autor apresenta o pensamento econômico do norte-americano Henry George, como forma de promover avanços sociais numa democracia capitalista e assim evitar a ameaça comunista que havia se tornado realidade com a participação da União Soviética na vitória sobre as forças do Eixo na Segunda Guerra Mundial. A proposta de George tem como ponto principal a criação de um “imposto único” sobre a terra improdutiva.
Nesses dois textos o leitor vai constatar como as reivindicações de Lobato são atuais. Afinal, os cenários mudaram, mas não os problemas que o Brasil continua enfrentando tanto tempo depois. E, à falta do homem público, restam seus textos cheios de coragem e esperança no futuro.
Uma visão sobre o autor e obra que quero aqui compartilhar...
Publicação
Tese: “Edição de textos fidedigna e anotada das cartas trocadas entre Monteiro Lobato e Charles Frankie (1934-1937): Edição e estudo da correspondência entre Monteiro Lobato, Charles Frankie e alguns companheiros da Campanha Petrolífera, como Edson de Carvalho”Autora: Kátia Nelsina Pereira ChiaradiaOrientadora: Marisa Philbert LajoloUnidade: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL)
Poder, literatura e petróleo
Choveu petróleo no Sítio do Pica-Pau amarelo. E, sobre o poço, perfurado graças aos artifícios de quatro “Faz-de-conta”, foi inaugurada a placa com os dizeres: “Salve! Salve! Salve! Deste abençoado poço – Caraminguá nº 1, a 9 de agosto de 1938 saiu, num jato de petróleo, a independência econômica do Brasil”. Esse era o desejo de Monteiro Lobato que, sem poder lançar mão da fantasia, como faziam seus personagens, recorreu a outro poder: o de escrever livros e cartas e mais cartas e livros que influenciassem pessoas, antecipando, assim, o que uma tese de doutorado veio a concluir quase um século depois: que literatura também é poder.
Foi entre os anos de 1934 e 1937 que foram estreitadas as relações entre o escritor e o engenheiro do petróleo Karl Werner Frankie, suíço imigrado em 1920, que no Brasil mudou de nome, passando a ser “Charley Frankie” – também chamado de Charles pelos amigos. Nas 147 cartas que chegaram às mãos da pesquisadora Kátia Chiaradia, ele e Lobato falam de petróleo, poder e literatura. Professora e leitora das obras do escritor, apaixonada por O Poço do Visconde, ela sempre citava Lobato em suas aulas sem imaginar que o neto de Frankie ocupava uma das carteiras.
“Professora, vou trazer para você umas cartas que temos em casa, que o meu avô trocava com Monteiro Lobato”. O impacto imediato do presente do aluno foram duas noites sem dormir. Depois vieram o mestrado, um capítulo de livro que ganhou o prêmio Jabuti, e a tese de doutorado “Edição de textos fidedigna e anotada das cartas trocadas entre Monteiro Lobato e Charles Frankie (1934-1937): Edição e estudo da correspondência entre Monteiro Lobato, Charles Frankie e alguns companheiros da Campanha Petrolífera, como Edson de Carvalho”.
Torre de petróleo do campo de Araquá;
no topo vê-se a sigla da Companhia Petróleos do Brasil (CPB)
Kátia estudou com afinco as 147 cartas, sendo 91 de Lobato para Frankie e 39 deste para o escritor, além de alguns documentos técnicos relacionados à exploração do petróleo no solo brasileiro. Como Frankie por vezes guardou cópias carbonadas de sua correspondência, houve a oportunidade de trabalhar não só com as cartas que Lobato enviara ao suíço, como também com as que este encaminhava a Lobato.
“Nessas cartas, Lobato, além de se familiarizar com alguns termos técnicos-geológicos da exploração petrolífera, faz críticas contundentes ao Código de Minas de 1934 e ao ‘atraso brasileiro’, protagonizando a história das primeiras companhias petrolíferas do Brasil”. É de Lobato a frase que serviu de slogan para a campanha do petróleo que resultou na criação da Petrobrás. “O petróleo é nosso” teria sido a última frase de uma derradeira entrevista concedida à rádio por Lobato, dois dias antes de morrer.
O escritor não foi só um ativista da causa do petróleo de solo brasileiro. Efetivamente trabalhou nas pesquisas para tentar encontrar o óleo negro no solo do país, oficialmente descoberto na Bahia, em 1939. Entre 1932 e 1937, Lobato fundou ou se filiou a três diferentes companhias de prospecção: Cia Petróleos do Brasil, Cia de Petróleo Nacional e Cia Mattogrossense de Petróleo. Também se associou à pesquisa da petrolífera Alliança Mineração e Petroleos LTD, a AMEP, um departamento da Companhia de Petróleo Nacional.
Charley W. Frankie em três momentos: em retrato, na Orquestra de Limeira em 1927 (segundo violinista, à esq.) e trabalhando na demarcação de terras (primeiro plano, à esq.)
As experiências vividas no embate de anos tentando provar que havia petróleo no Brasil e que, com a descoberta, o país poderia se tornar tão rico quanto os Estados Unidos, foram compartilhadas ou serviram de inspiração para suas obras. Escreveu o livro O Escândalo do Petróleo, prosa sócio-política lançada em 1936 e que teve 20 mil exemplares esgotados em apenas 5 meses. Antes, redigiu diversos artigos para jornais sobre o assunto e traduziu e prefaciou A Luta pelo Petróleo, de Essad Bey, de 1935, juntamente com o amigo Charley Frankie. Sua “saga” em defesa do ouro negro culminou na obra O Poço do Visconde, de 1937, décimo volume da série “obras completas” de ficção para crianças.
Nas cartas que os amigos trocaram é possível identificar menções a livros e leituras, seja na parceria da tradução ou na organização e compilação de O Escândalo do Petróleo, afirma Kátia. “De ‘Prezado’, da primeira carta de Lobato a Frankie, a ‘Amigo Frankie’, em poucos dias: a relação durou, ao menos, três anos – no petróleo, nos livros, nos bastidores políticos”, afirma a autora.
Era uma preocupação de ambos o fato de engenheiros ligados à empresa norte-americana Standart Oil atestarem para o governo brasileiro que não havia petróleo no Brasil. “Lobato ficou conhecido como o ‘pai’ da Petrobrás, porque sempre foi contra a pesquisa americana no Brasil”. Kátia desconstrói a tese de que Lobato era a favor da estatização, da exploração pelo Estado brasileiro. “Ele era a favor da iniciativa privada e tinha intenção de fazer uma parceria com a empresa alemã ELBOF à qual Frankie também era ligado, como representante técnico”.
A pesquisadora Kátia Nelsina Pereira Chiaradia, autora da tese: “Lobato dedicava-se visceralmente aos ‘bastidores do petróleo’, por meio de intensa troca de cartas, buscando os mais diversos arranjos políticos e comerciais”
Para Lobato, o comportamento da Standart Oil era o mesmo de um “Octopus” ou polvo, disfarçando-se em empresas ou órgãos nacionais para, quando fosse interessante, prender sua vítima, ou seja, os petroleiros brasileiros, até a morte.
No livro O Escândalo do Petróleo, porém, o escritor toma o cuidado de não deixar claro que se tratava da empresa. O assunto é tratado em uma das cartas a Frankie: “Não podemos acusar a Standard. Sabemos que no fundo de tudo está o Octopus, mas, em vez de falar em Standard, temos de dizer os Interesses Ocultos”, escreve Lobato.
A campanha do petróleo se confunde com a ficção. A correspondência ainda adverte, por exemplo, para os riscos de morte a que seu sócio na Companhia Petróleo Nacional, Edson de Carvalho, estaria sujeito. Segundo Kátia, Lobato retoma com Frankie duas mortes ligadas à campanha que ele afirma categoricamente que devem ser tratadas como “eliminação”. Ao abordar o assunto em seu livro, usa de ironia e apassiva os verbos. Um “foi morrido” e o outro “suicidado”.
“A empreitada apaixonada rendeu-lhe frutos extremos: de um lado, seria o grande responsável por levar a público três obras da literatura, recordistas de tiragem e referências sobre a saga do petróleo. No outro extremo, contudo, sua atuação colocou-o em choque com o governo de Getúlio Vargas, o que o levou à prisão”, descreve a autora.
Livros de Monteiro Lobato e outro prefaciado por ele sobre petróleo:
autora da tese revela conexão entre as cartas e os conteúdos das obras
“Morri um bom pedaço na alma”, desabafou Lobato em 1941 depois de ter passado seis meses atrás das grades na ditadura do Estado Novo. “A relação entre Getúlio Vargas e Monteiro Lobato desenrolou-se de maneira bastante irregular, alternando momentos de aparente concordância ideológica com divergências extremas”.
Na carta que levou Monteiro Lobato à prisão o escritor ressaltava a “displicência do Sr. Presidente da República, em face da questão do petróleo no Brasil, permitindo que o Conselho Nacional de Petróleo retarde a criação da grande indústria petroleira em nosso país, para servir, única e exclusivamente, os interesses do truste Standard-Royal Dutch”, relata a autora da tese em uma das notas de rodapé do trabalho.
Kátia fez uma série de notas de rodapé à íntegra das cartas publicadas em seu doutorado. Nelas, a pesquisadora trata do contexto político, das perfurações e companhias petrolíferas brasileiras, dos “interesses estrangeiros” no Brasil, da relação pessoal entre Lobato e seus interlocutores, entre outros temas.
A relação entre trechos das cartas com a ficção lobatiana já havia sido mostrada na dissertação de mestrado de Kátia, quando ela analisou e comparou 16 cartas trocadas com Charles Frankie e O Poço do Visconde. “Lobato escreveu inspirado no que eles viviam nos poços que perfuravam”.
Na história infantil, para se iniciarem os trabalhos de campo, por exemplo, não bastava a vontade de Pedrinho. Foram chamados dois “experientes” técnicos estrangeiros: Mr. Kalamazoo e Mr. Champignon. “Estes podem ser lidos, talvez, como duplos ficcionais de J. W. Winter, engenheiro alemão e Frankie, que respondiam pelas perfurações de duas companhias de Lobato”. Na ficção, prossegue a autora em sua análise, os técnicos eram norte-americanos, “o que levantou fortíssimas suspeitas de Quindim que, tal qual Lobato, jamais confiara nos estudos desenvolvidos sob encomenda do governo brasileiro”.
Foi no doutorado somente que Kátia trabalhou com todas as cartas, transformando-as para a edição e acrescentando as notas de rodapé. “Também percebi o quanto da correspondência está em O Escândalo do Petróleo. Muita gente se pergunta de onde veio essa criatividade, do Lobato, como ele havia tido essa ideia. Foi da vida real mesmo. Quando ele teve um problema com um perfurador, por exemplo, lemos a mesma história no O Poço do Visconde: o técnico americano que chegou e sabotou o poço da Dona Benta.”
Rede de influências
Para a autora, a análise das cartas também expõe uma vasta discussão entre os correspondentes sobre as implicações políticas de um livro e “em especial”, sobre a força da literatura de Lobato na defesa “da causa”, como eles diziam. Lobato e Frankie citam muitas personalidades do cenário político-histórico nacional, a ponto de tornar-se necessária e complementar ao trabalho a confecção de um índice onomástico no final da publicação, com os nomes de todos as pessoas citadas nas cartas que compõem o que a pesquisadora considera uma verdadeira rede de influências construída pelo escritor.
“Lobato dedicava-se visceralmente aos ‘bastidores do petróleo’, por meio de intensa troca de cartas, buscando os mais diversos arranjos políticos e comerciais. O que não está claro nos livros, mas conseguimos perceber pela leitura das cartas, é como Lobato fazia parte do cenário político da época, como era ouvido, como era alguém que estava em todos os ambientes, tinha ‘ouvidos’ em todos os ambientes e como usava a literatura porque ele era conhecido não por ser um perfurador, mas por ser um grande escritor”, ressalta Kátia.
Perceber o tamanho da rede de influências de Lobato é uma das contribuições da tese que a pesquisadora considera mais importante. “De Getúlio Vargas até o perfurador do poço, passando por Armando de Salles Oliveira, engenheiro e político brasileiro, fundador da USP, foi uma rede construída a partir da literatura, que mostra como a literatura é capaz de construir um terreno político”.
Na sequência: telegrama de Monteiro Lobato para Frankie, em 1935;
carta do escritor ao engenheiro, em 1936; carta do suíço a Lobato, de 1937,
com desenho de sonda do campo de petróleo de Araquá
Unicamp abriga acervo do escritor
O livro de receitas de Dona Purezinha era diferente de qualquer livro de receitas que se tem conhecimento. O biscoitinho de araruta era adjetivado de “manhoso” e, além do modo de fazer, recomendava um modo de comer: “assa-se, come-se e repete-se”, brincava seu escriba Monteiro Lobato, marido de Maria Pureza da Natividade de Souza e Castro. Lobato provavelmente ajudava a mulher a “passar a limpo” seus cadernos de receita, acrescentando pitadas de literatura.
Essas e outras preciosidades da intimidade do escritor estão em documentos guardados no Cedae (Centro de Documentação Alexandre Eulálio), do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp. O local também guarda parte da história do amigo estrangeiro com quem Lobato trocava as cartas estudadas por Kátia Chiaradia.
De Lobato há no Cedae a chamada Bi-blioteca Lobatiana, uma grande coleção com mais de 300 impressos, doada pela então mestranda em Teoria e História Literária no IEL Cilza Carla Bignotto, também orientada pela professora Marisa Lajolo. Cilza localizou em Santos uma coleção de livros, folhetos e periódicos de e sobre Monteiro Lobato. Adquiriu o conjunto com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e, quando terminou a pesquisa, em 1999, fez a doação do material para a Unicamp.
Trata-se de uma coleção temática que abrange ainda material publicado por uma de suas editoras e objetos como selos, estojo infantil e até curativos adesivos com os personagens do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Foi a partir de uma exposição dessa coleção que a família do escritor decidiu doar para o Cedae o Fundo Monteiro Lobato, com documentos que se referem à vida pessoal e profissional do escritor.
O Fundo inclui documentos pessoais e correspondências, inclusive as trocadas com Dona Purezinha durante o período de namoro. “A última carta dessa correspondência traz o convite de casamento”, conta a diretora técnica do Cedae, Flávia Carneiro Leão. O arquivo também é composto por livros, manuscritos e datiloscritos de contos, crônicas e traduções, além de desenhos, aquarelas e fotografias de autoria de Lobato.
“Há no Fundo um ‘núcleo’ da intimidade de Lobato que inclui, entre outros documentos, a correspondência amorosa e também uma coleção de fotografias que ele fez da neta e que mostram o olhar desse avô para sua neta que devia ser muito querida por ele”, acrescenta Flávia.
Homem comum
Quando o conjunto de cartas trocadas por Frankie e Lobato chegou ao Cedae, surgiu esse novo personagem, desconhecido, mas também fascinante. Quem seria o engenheiro de petróleo suíço, que se tornou amigo de um dos maiores escritores do país? “Ficamos surpresos com o montante considerável de cartas trocadas por Lobato com alguém desconhecido como o Charley Frankie, e mais ainda que na correspondência também havia discussões sobre literatura”, ressalta Flávia.
A diretora comenta que houve a necessidade de conversar com a família do suíço para melhor identificar o material. Chegaram a uma filha, moradora de Holambra, avó do garoto que havia entregue as cartas a Katia Chiaradia. “Tivemos acesso à certidão de nascimento dele, informações sobre sua vinda para o Brasil, as relações familiares, viagens que ele fez, mapas que desenhou, enfim, conseguimos reunir a documentação que hoje, organizada, ampliou a relevância deste conjunto documental para além do mero correspondente do Lobato.”
Pela primeira vez na história do Cedae uma pessoa desconhecida teve sua trajetória preservada. “Quando elegemos aqueles que terão um acervo preservado, pessoas que ficarão para a posteridade, geralmente essa escolha recai sobre os grandes nomes. Mas é preciso preservar também a memória do homem comum. Neste sentido, a documentação de Charley Frankie difere dos demais arquivos do Cedae por contar a trajetória de um imigrante que, saído do Cantão suíço, veio parar no Brasil e se embrenhou pelo interior, no meio da floresta, fazendo trabalhos de geologia; e que discute com Lobato questões de engenharia e literatura”.
Este imigrante possivelmente fugia da Primeira Guerra e certamente de uma Europa em crise e, no Brasil, casa-se, toca em uma orquestra, troca muitas cartas com a filha, ainda criança, e vai passar seus últimos anos em Mato Grosso do Sul, falecendo em Corumbá, em 1968, aos 74 anos.
FONTE