sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

O pau-brasil é coisa nossa!


Vamos bisbilhotar um pouco a vida da nossa velha senhora Caesalpinia - o Pau-brasil. Embora sem comprovação efetiva, prevalece entre pesquisadores a convicção de que a própria nau que levou a notícia do descobrimento a D. Manuel houvesse carregado toras de pau-brasil.

Na Holanda do século XVI, a população carcerária não devia querer ouvir falar em pau-brasil. Sabe por quê? Lá, as toras eram reduzidas a pequenos fragmentos e raspas pelos presos nas casas de detenção e, nesse estado, entregues às tinturarias.

Pau-brasil: um nome em cada porto

Nos países de língua francesa, ele é chamado de Bois de Brésil e de Bresillet de Pernambuco.

Nos países de língua inglesa, ele é conhecido por Brazil-wood, Pernambuco-wood, Lima-wood, Nicarágua-wood, peach-wood, sapam-wood ou bukkum-wood.

Na Argentina, o chamam de pinango.

Na Índia, de sapam.

E na Espanha, seus nomes são palo Brazil ou palo de Santa Marta.

A respeito de sua vasta lista de nomes, vale lembrar que o pau-brasil original mesmo, o legítimo, existe em uma única espécie no Brasil. O também famoso sapam, de origem indiana, apesar de muito parecido com o pau-brasil, é um gênero de uma família diferente da Caesalpinia. Portanto chamar um sapam de pau-brasil ou vice-versa constitui-se em uma tremenda gafe botânica!

O famoso naturalista Von Martius em sua "Viagem pelo Brasil" escreveu: "Numerosas como sejam essas plantas na América (as leguminosas) entretanto só raras vezes o olhar se depara com elas em conjunto, pois não são sociáveis e crescem separadas no meio de outras. Será erro crer que no Brasil se possam encontrar matas inteiras do nobre pau de tinturaria (...) Ele cresce isolado entre os mais diversos vizinhos na mata virgem".

Especialistas em química e em medicina da Universidade Federal de Pernambuco estão realizando experimentos com o princípio ativo extraído do pau-brasil a fim de investigarem sua ação anti-neoplásica, ou seja, sua eficiência no combate a certos tipos de tumor. Em algumas aplicações em ratos, a substância conseguiu propiciar a inibição do tumor em até 87%.

Pau pra toda obra:

Além da tinta corante, o pau-brasil também foi muito utilizado na construção naval, na construção civil e em trabalhos de torno em marcenaria de luxo. Na atualidade, a madeira é basicamente utilizada para a confecção de arcos de violino.

MPB: Música do pau-brasil

Segundo dados históricos, coube a um gênio projetista francês do século XVIII, François Tourte, a criação do arco de violino a partir da madeira considerada a ideal - o pau-brasil - conhecido na França também como "Fernambouc", uma corruptela de Pernambuco.

Os dados a respeito do uso do pau-brasil na confecção de arcos de violino são bastante incompletos. Não existem números confiáveis sobre a quantidade de madeira exportada para este propósito e quanto se gasta de madeira para se fazer um arco. Negociantes de madeira relutam em divulgar estas informações, mas estima-se que anualmente negociam-se 200 metros cúbicos, embora este número possa aumentar, pois muita madeira é gasta no processo de fabricação dos arcos. (Um arco de violino típico requer o uso de 1 kg de madeira).

O que deve ser cobrado das autoridades competentes é uma rigorosa vigilância sobre essa indústria, a fim de evitarem abusos que levem a novos desastres ecológicos. Caso contrário, cada vez que um arco de violino no mundo fizer gemer o instrumento, seremos forçados a nele reconhecer o grito lancinante de um pau-brasil caindo ao chão, indefeso!

Vejamos agora um exemplo de absoluta falta de consciência ecológica.

Perguntado, certa vez, porque em um reflorestamento obrigatório por lei, plantou muito mais eucalipto do que pau-brasil, um grande negociante da madeira, do Espírito Santo, respondeu: "Eucalipto cresce rapidamente, enquanto o pau-brasil leva 100 anos para tornar-se uma árvore de corte. Por que, então, vou plantar uma coisa que nem meus filhos vão ver?" Confronte tal raciocínio com o do chefe Seattle. E aí? Quem é mesmo mais civilizado?

Nem tudo o que é bom pra Metrópole...

O pau-brasil foi uma das árvores mais cobiçadas pelos europeus, após o descobrimento. Mas não eram só os europeus que o queriam: os habitantes da Capitania de Porto Seguro queriam aproveitá-la, mas Portugal não deixava - ela era monopólio da "Coroa", de acordo com um decreto de D. Manuel.

O pau-brasil é coisa nossa!

Diogo de Campos Moreno, a quem se atribui o "Livro que dá razão do Estado do Brasil", defendeu o corte de pau-brasil pelos habitantes da Capitania de Porto Seguro que, para ele, seria o único "remédio" para diminuir um pouco a penúria em que a população vivia.

Je t’aime, pau-brasil

Os franceses chegaram com uma expedição ao rio Doce onde os nativos tentaram convencê-los a desembarcar, com a condição de que ajudariam a cortar e carregar a madeira na nau. Os franceses não acreditaram: se aceitassem, seriam facilmente dominados e talvez comidos. Em 1558, outra nau francesa apareceu, desta vez em Itapemirim, na Capitania do Espírito Santo. Não teve tanta sorte: os tripulantes desceram, foram combatidos e vinte deles presos. Portugal chegou a fortificar Porto Seguro para rechaçar os invasores.

O pau-brasil e a pena de morte!

Em 1775, a punição para quem cortasse pau-brasil ia do confisco dos bens até a pena de morte. Apesar disso, no Espírito Santo, ele era vendido a 240 réis o quintal. "Quintal" era a unidade de medida de peso vigente na época, equivalente a aproximadamente 60 quilos.

Em busca do tempo perdido

Se quisesse renovar as antigas florestas, o Brasil precisaria de mais de 100 anos!

Coisas do arco da velha!

No final da década de 70, um grande madeireiro capixaba afirmou: "Dos sete violinos Stradvarius que existem no mundo, conheci dois, um em Milão e outro em Paris, com arcos feitos de pau-brasil, numa época em que o país não havia sido descoberto. Há registros também de violinos europeus menos famosos, datados da Idade Média, com arcos fabricados em pau-brasil."

Durante excursão que realizou pela "costa do pau-brasil", em 1981, o botânico Prof. Francismar Francisco Alves Aguiar encontrou vários povoados com o nome de Pau-brasil.

A 100 km de Vitória (Espírito Santo) está localizado um dos povoados brasileiros com o nome de Pau-brasil. Ironicamente, lá a madeira está extinta, ficando o lugarejo localizado justamente em meio a uma espessa floresta de eucaliptos.

"Eu mesmo nunca vi pau-brasil, nem sei pra que serve." e "A professora nunca me falou dele." são frases recolhidas entre os habitantes de Pau-brasil (ES), no início da década de 80.

O viajante Saint-Hilaire, no século XIX, assim descreveu o desmatamento de que foi testemunha no mesmo local em que hoje se situa o miserável povoado de Pau-brasil : "Na época de minha viagem (1816 a 1822), já tinham vindo arrancar as raízes, depois de haver cortado todas as árvores."

Na opinião do professor João Vasconcelos Sobrinho, a intensa e contínua exploração do pau-brasil pelos portugueses, associada à dos franceses, holandeses, ingleses e espanhóis, no período de 1500 a 1875, possivelmente tenha sido a causa do processo de desertificação do Nordeste.

Apesar da quase certeza da extinção do pau-brasil, em 1928, o então estudante de agronomia João Vasconcelos Sobrinho e o professor de botânica Bento Pickel, num local chamado Engenho São Bento, hoje sede da Estação Ecológica da Tapacurá da Universidade Federal Rural de Pernambuco, verificaram a presença de uma árvore de pau-brasil, eliminando qualquer dúvida sobre a sua extinção ainda em nossas matas.

Não há registros da existência do pau-brasil no sul do país e nem sequer na Amazônia. Não há referência dele nessas regiões nem mesmo pelos índios que as habitavam.

Os naturalistas Piso e Marcgravena registraram o pau-brasil com o nome tupi de Ibirapitanga na "História Naturalis Brasiliae", em 1649. Dele também se ocuparam vários cientistas de renome como Velosso, Sprengel e Voguel.

Os historiadores são unânimes em afirmar que o primeiro ciclo da história econômica do Brasil foi o do pau-brasil. "Por este modo se tem feito muitos homens ricos" afirmou o historiador Brandônio. O ciclo do pau-brasil encerrou-se em 1875. Ou seja, foram ao todo 374 anos de exploração predatória.

Botanicamente, só existe uma espécie de pau-brasil, conhecida por Caesalpinia echinata Lam., embora outras espécies de árvores sejam erroneamente chamadas de pau-brasil, simplesmente por apresentar algumas semelhanças com a planta verdadeira. São, assim, os chamados falsos paus-brasil.

Dentro da espécie Caesalpinia echinata o que pode ocorrer são variedades ou raças geográficas que apresentam pequenas diferenças morfológicas na forma e na quantidade de acúleos (espinhos) e no tamanho dos folíolos e pinas (parte das folhas). Atualmente algumas pesquisas estão sendo realizadas no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, na Ceplac (BA) e na Embrapa (DF) em vistas de esclarecer essas controvérsias.

Pau-brasil: poesia de exportação

O escritor modernista Oswald de Andrade lançou, em Paris, em 1924, O Manifesto da Poesia Pau-brasil. A relação do manifesto poético com nossa árvore símbolo diz respeito ao fato de ter sido o pau-brasil nosso primeiro produto de exportação, desejando Oswald, então, criar a primeira poesia de exportação brasileira, a poesia pau-brasil.

Capa do livro "Pau-brasil", de Oswald de Andrade, 1925. (Ilust. "Artes Plásticas na Semana de 22"- autora: Aracy Amaral; Bovespa-1992)

No manifesto, Oswald atenta a todo instante para o fato de precisarmos estar mais voltados à nossa realidade, vendo o Brasil de "dentro para fora" e não com a visão estereotipada e preconceituosa típica dos colonizadores europeus que por tanto tempo nos dominaram. Tanto quanto nossa primeira riqueza, a poesia pau-brasil pretendia se revestir de um caráter primitivista, que assumisse criticamente os contrastes históricos e culturais a que fomos submetidos.

FONTE

http://www.sescsp.org.br/sesc/hotsites/paubrasil/cap4/curiosidades.htm

Nenhum comentário:

Postar um comentário